AHCI

por Igor de Lacerda e Schütz
Maio de 2003


A AHCI

Criada em 1985 pelo mestre relojoeiro Svend Andersen e seu colega Vincent Calabrese, a AHCI, sigla para o francês Académie Horlogère des Créateurs Indépendants (Academia Horologística de Criadores Independentes), tem a finalidade de mostrar ao mundo que a arte horologística repousa essencialmente nas mãos prodigiosas do relojoeiro, e não numa indústria.

A Academia conta com 25 membros, de 10 países diferentes, e alguns candidatos. É interessante notar que a AHCI não tem sede própria, ou algum espaço físico; é simplesmente uma associação de relojoeiros que, no mínimo uma vez ao ano, reúnem-se para discutir projetos, idéias e estudos. Nada é muito formal, ressaltando a independência de seus membros. Independência essa que, aliás, é a palavra-chave da AHCI.


ANÔNIMO

Uma das façanhas principais da AHCI foi restaurar ao mundo moderno a imagem do cabinotier, um relojoeiro independente e proprietário de uma pequena manufatura, o qual foi a espinha dorsal da indústria relojoeira suíça no século XVIII.

Nos anos 80, Svend notou que as marcas suíças levavam todos os créditos e a alta margem de lucros oferecidos pelas complicações, que estavam em destaque na época. Estas eram desenvolvidas e construídas pelos relojoeiros independentes, mas os consumidores eram levados a acreditar que somente as marcas eram capazes de fazer relógios complicados. Dessa forma, o reconhecimento pelo seu trabalho, algo tão precioso para o relojoeiro independente, era sufocado pelos cartéis suíços.

A iniciativa de Svend e Calabrese de formar uma liga foi fundamental para a manutenção e expansão da horologística independente, elevando o relojoeiro ao status de artista e dando-lhe o merecido crédito por suas invenções, tirando-o do anonimato. Ambos quiseram provar que, ao lado da fabricação industrial de relógios, havia espaço e demanda pela relojoaria manual e artística, e que o artesanato poderia ocupar um lugar importante no cenário horologístico atual.
Dessa forma, a AHCI, através de seus membros, em muito contribui para o desenvolvimento da arte relojoeira atual.


INOVAÇÃO

O independente, em regra, demonstra pelo seu trabalho um sólido conhecimento da arte relojoeira clássica, promovendo inovações horologísticas excepcionais assim como execuções artísticas e tecnicamente especiais. A ousadia é uma das marcas registradas dos membros da AHCI.

Cada membro da Academia trabalha à sua forma, mas todos têm algo em comum: a superioridade perante qualquer relógio industrial. Essa característica deve ser levada em conta dentro de certos parâmetros, tais como disponibilidade de tempo e ferramental.
Em geral, ao analisarmos cada peça fabricada por um membro da AHCI, notamos a excessiva atenção à construção e acabamento. São polimentos decorativos e funcionais em todas as peças, mesmo as não visíveis, gravações manuais, uso de materiais nobres, ajustes precisos, etc. Tudo isso reflete em altos custos materiais e de tempo. Só para citarmos como exemplo, cada modelo do relógio Simplicity, totalmente construído pelas mãos do mestre relojoeiro Philippe Dufour, demora de três a quatro anos para estar no pulso de seu proprietário, e custam a bagatela de CHF 42.000!

Também são através das mãos dos membros da AHCI que vemos o que há de mais inovador na relojoaria mecânica. Podemos citar:

 



Uso de remontoir, controlando a tensão do escapamento, dando mais estabilidade e, conseqüentemente, maior precisão ao relógio (F. P. Journe Tourbillon Souverain);
 
Calendários perpétuos compatíveis, sem qualquer ajuste, com o Calendário Gregoriano, diferente dos demais, que funcionam até 2100 (Svend Andersen Perpetual Secular Calender);
Balanços-duplos ressonantes, que dão maior precisão ao relógio (F. P. Journe Chronomètre à Résonance);


E
scapamento co-axial, que visa acabar com a necessidade de lubrificação do escapamento (George Daniels);
Turbilhão com dois eixos, vertical e horizontal, para maior precisão do relógio (Franck Muller Revolution Two); etc.

Todos esses mecanismos foram inventados, ou transportados para os relógios de pulso, pelos associados da Academia. Devemos contar, também, com as inúmeras inovações artísticas e estéticas, como:

Turbilhão com ponte invisível, feita de cristal, dando o efeito de que o turbilhão está levitando (Kiu Tai Yu Mystery Flying Tourbillon);
Mostrador de horas na lateral inferior, de modo que o usuário não precise girar o pulso para saber o horário, remetendo-nos ao tempo em que era falta de educação consultar o relógio (Svend Andersen La Montre a Tact);
  Mostrador digital, com horas, minutos, segundos e data pulantes, através de discos com numerais arábicos (Harry Winston Opus 3, desenvolvido por Vinney Halter);
 
Relógio esqueleto com ponte em qualquer formato imaginável, de letras à desenhos sofisticados (Vincent Calabrese Spatiales Tourbillon);


Flying
tourbillon central (Beat Haldimann Central Flying Tourbillon);

Design arrojado. Em sentido horário: parte traseira do relógio, com segundeiro, reserva de marcha e contador de 15 minutos; vista frontal do relógio; máquina. Um conceito revolucionário! (Urwerk 103 de Thomas Baumgartner)

Todas as obras dos membros da AHCI são artesanais, de qualidade superior e exclusivos. Caracterizam-se pela complexidade, baixa produção e valor elevado. Utilizam técnicas tradicionais no acabamento - guilloché, cloisonné, enamel, perlage, côtes de Genève - e signos de boa qualidade - chatons de ouro parafusados, ouro e aço azuis, gravações artesanais em alto e baixo relevo, etc. Sem qualquer dúvida, são representantes máximos da haute horlogère.


MEMBROS

A AHCI aceita relojoeiros de qualquer nacionalidade, desde que alguns requerimentos sejam atendidos:
- O candidato deve ser capaz de fazer alguma construção horológica técnica;
- Deve fazê-la sozinho, de maneira apresentável esteticamente, e de excelente qualidade.
Este deve ser recomendado por dois membros da Academia, e então será candidato. O novo candidato deve participar de pelo menos três exibições em quatro anos e passar por uma votação, sendo aprovado pela maioria do AHCI, para ser aceito como membro.
Vincent Calabrese explica: "Essas condições foram estabelecidas de maneira a evitar qualquer mestre relojoeiro assalariado que não tem em mente uma empreitada e portanto mais aberto a concessões, e também para nos proteger de pessoas que tem poder financeiro para contratar outras para fazer por ele, e assim continuar a fazer o que sempre foi feito na relojoaria, a exploração do talento do relojoeiro pelo gênio marqueteiro".

Atualmente os membros da Academia são:
E os candidatos:

Como podemos notar, atualmente a AHCI conta com 23 membros, sendo que 25 serão aceitos, portanto duas cadeiras ainda estão vagas a espera dos candidatos.


PRESTÍGIO

A idéia da fundação de uma liga de relojoeiros independentes foi muito bem sucedida e, hoje, ser membro da AHCI é motivo de muito orgulho e prestígio.
Seus associados há muito estão na vanguarda das complicações e a criatividade de suas pequenas maravilhas mecânicas parece não ter fim.
A academia conta com um espaço permanente na Feira de Basel, onde seus membros menos abonados expõem suas criações e atraem a atenção dos verdadeiros conhecedores da arte horologística.


Bibliografia e créditos:

Alan Downing in The Watchmaking of Svend Andersen, TimeZone, abril de 2003;
Site da AHCI;
Fórum AHCI and independent haute horlogerie do site The PuristS;
Fotos ilustrativas retiradas dos sites dos respectivos fabricantes, com permissão expressa;